segunda-feira, 13 de julho de 2009

Virgem Maria: Refúgio dos pecadores

A Virgem Maria, como refúgio dos pecadores, cumpre um papel de capital importância no plano da salvação humana, protegendo maternalmente os filhos transviados

(Valdis Grinsteins)

A Virgem protege a criança da ação do demônio – Anônimo florentino, séc. XV, igreja do Espírito Santo, Florença (Itália)

Seria possível conceber algo aparentemente mais contraditório no plano de Deus do que nomear Nossa Senhora como auxílio daqueles que ofendem seu Divino Filho?

Em princípio, que relação poderia haver entre Aquela que é Imaculada — ou seja, sem mancha, nem sequer a do pecado original — e a humanidade falida e repleta de defeitos? Não seria acaso mais sábio dizer somente que a Virgem tem pena dos pecadores, mas não que é o refúgio deles? Refúgio não seria uma palavra forte demais, inaplicável para quem justamente deveria ser punido pela justiça divina? Se levarmos a palavra refúgio no rigor da lógica cartesiana, não chegaremos acaso à conclusão de haver algum tipo de cumplicidade entre a Santíssima Virgem e o pecador?
Todas essas perguntas são fruto de impressões erradas, sabiamente refutadas pela Santa Igreja, a qual não fica apenas nas aparências dos problemas, mas vai ao fundo deles. E com toda razão a Igreja nos ensina que Deus coloca a mais santa das criaturas como protetora das piores dentre elas.

Diversos graus de malícia

Existem vários tipos de pecador.

Há o que peca por fraqueza, porque não rezou ou não lutou suficientemente contra seus próprios defeitos. Trata-se de pecador miserável, mas que ao menos reconhece estar errado, não busca justificar o pecado, e em numerosos casos se arrepende, mesmo se volta depois a cair.

Um segundo tipo é aquele pecador que se instalou no pecado. Sua razão busca umas tais ou quais “justificações”: o pecado é inevitável, não temos forças mesmo, não adianta lutar contra as más inclinações, etc. Ignora o papel da graça, negligencia por completo a oração. E assim se instala em sua alma a tibieza espiritual, a indiferença criminosa, mortal a longo prazo.

Finalmente existe o pecador que se identifica com o pecado. Ele não só o comete, mas justifica-o, chegando ao ponto de não tolerar oposição a seus vícios. É o pecador endurecido.

Qual a posição da Santíssima Virgem com relação a esses tipos de pecadores?

A atuação de Nossa Senhora

Antes de entrar propriamente no tema, devemos esclarecer preliminarmente que a Santíssima Virgem tem uma submissão completa a Deus, ou seja, o plano de Deus é exatamente o mesmo d’Ela, em todos seus detalhes. Deus é o Ser perfeitíssimo, e ao mesmo tempo a própria justiça e a própria misericórdia subsistentes. Para nossa ótica humana, sobretudo na natureza decaída, é difícil entender como podem harmonizar-se estas duas qualidades na mesma pessoa. Por isso, razões por assim dizer didáticas levam a que Ele, que representa a justiça, deixe freqüentemente a representação da misericórdia nas mãos de sua Mãe. De fato a misericórdia d’Ela não é senão uma participação privilegiada da infinita misericórdia de Deus.

Nossa Senhora, em sua relação com o pecador, não procura esconder o pecado, nem dissimular sua gravidade, muito menos criar uma situação por onde a alma permaneça tranqüila na situação deplorável de pecadora. Isso não seria misericórdia, mas sim conivência. Ela vai, pelo contrário, suscitar na alma as boas reações que a levam ao arrependimento e a entender a necessidade da penitência.

É óbvio que o pecador do primeiro tipo, que peca por fraqueza, entenderá mais especialmente o papel de Nossa Senhora como refúgio. Após a turbulência do pecado, a consciência da própria falta pesará sobre ele e não o deixará em paz. Ao mesmo tempo, sua alma carregará uma tristeza pela derrota sofrida e um desejo errado de justificar-se. Estes dois elementos contraditórios se alternarão na sua mente, encherão seus pensamentos e levantarão uma tormenta espiritual, que pode ser terrível como tempestades marinhas. É a luta entre o bem e o mal, na qual o primeiro contra-ataca e o segundo quer assegurar o terreno conquistado.

Exatamente aqui entra o papel de Nossa Senhora como refúgio. A alma procura encontrar alguma ajuda externa que solucione a tragédia na qual se submergiu. Neste momento apresenta-se à sua mente a criatura por excelência que o pode ajudar. Não se mostra com uma atitude dura, como quem repreende, mas também não deixa transparecer qualquer cumplicidade. É a bondade materna, atraente, suave, conciliadora, compreensiva. A própria alma sente que Ela o entendeu, e Nossa Senhora comporta-se com a alma pecadora exatamente como a mãe de uma criança culpada. Primeiro ela a atrai a si, e logo, com paciência e bondade, vai lhe mostrando o erro cometido, com muita doçura. Procura raciocinar juntamente com a alma, e ao mesmo tempo que aponta o erro, mostra como saná-lo. Nossa Senhora sussura nessa ocasião a necessidade e a sabedoria do sacramento da confissão. A penitência que impõe o sacerdote não é um castigo que derruba e abate, mas sobretudo a escada que permite voltar ao alto.

A maternal proteção

Se analisarmos objetivamente a atuação de Nossa Senhora, não do ponto de vista do pecador, mas de Deus, constataremos que ela é de uma coerência perfeita: “Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”, diz a Sagrada Escritura. Como obter isto? Justamente enviando alguém em socorro do miserável, de forma que mostre a ele sua triste situação, levando-o a pedir perdão e ao desejo de reparar o mal cometido. Nossa Senhora tem assim perfeitamente delineado seu papel no plano da salvação, como um elemento essencial. É a ferramenta que repara as imperfeições espirituais, o medicamento que cura a doença, o guia que mostra o caminho.

Poderia parecer que tais considerações não se aplicam aos pecadores do segundo tipo. O próprio fato de estarem instalados no pecado indicaria que não sofrem as tormentas espirituais do primeiro grupo. Na realidade, ninguém fica estável na vida espiritual, nem para o bem nem para o mal. Sempre estamos subindo ou descendo. Não há “ponto morto”. A ilusória tranqüilidade do pecador no pecado é só aparência. Ele está deslizando para o fundo do poço; de tempos em tempos dá-se conta do que acontece, e essa perspectiva o assusta. Sente em si capacidades para o mal, que vão aparecendo, tendências abomináveis que nascem dentro dele, instintos brutais e devastadores que assomam em seu horizonte. Ele mesmo se surpreende com o que pensa, com o que deseja, com o que gostaria de fazer; e nesses momentos sente-se como uma barca tragada por um torvelinho. Para ele, o refúgio é uma necessidade urgente, e tem que ser um refúgio que não questione a entrada, que não coloque dificuldades para ancorar lá sua barca, que está a caminho do naufrágio. Ninguém melhor do que Nossa Senhora para amparar tal alma, nesse momento. O próprio fato de Ela nunca ter pecado apresenta-se como o melhor antídoto para os horrores a que o homem sente sua alma atraída. A bondade materna de Nossa Senhora, ao aceitar o filho errado pelo fato de ser filho, é o que atrairá essas almas. E elas serão também orientadas para mudar sua vida.

E como fica o pecador endurecido? O que representa Nossa Senhora como refúgio para ele? Essa alma miserável, que mais do que outras atrai a ira de Deus, tem todas as razões para temer um desfecho violento e terrível, em vista de seus pecados. Com ele a Virgem atua, em geral, nas horas-chave, quando a iminência do desastre se anuncia no horizonte. Quando as portas da tragédia abrem-se para o engolir, quando o inferno já aparece como um destino selado, nesse momento a Virgem mostra-lhe que ainda há uma saída, que o perdão não está excluído se houver conversão, que Ela será mãe e defensora, que conseguirá o indulto aparentemente impossível. Ela brilhará especialmente para ele, pois trata-se de refúgio, palavra que adquire então todo o seu sentido confortador. Nada se compara com a defesa que a Virgem Imaculada empreende em favor dos piores pecadores nesses momentos supremos. É a glória da misericórdia no seu brilho mais completo, buscando a volta da ovelha perdida ao aprisco.

Peçamos a Nossa Senhora a graça de entender toda a beleza e sabedoria que se encontram nesse plano divino de transformar em refúgio dos mais endurecidos pecadores Aquela que é a mais excelsa das criaturas.


E-mail do autor: valdisgrinsteins@catolicismo.com.br

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